Grávida de 9 meses, uma moradora de São Vicente, litoral de São Paulo, perdeu a bebê após complicações provocadas pela toxoplasmose, enfermidade popularmente conhecida como “doença do gato”. A doença provoca inflamação que pode passar de mãe para filho, ainda no útero, e comprometer olhos e desenvolvimento cerebral. Um boletim de ocorrência foi registrado hoje junto à polícia, que deverá investigar se houve negligência na condução do caso.
Milena da Glória Cardoso, de 19 anos, grávida de uma menina, segue internada na Maternidade Municipal de São Vicente desde domingo. Sua prima, Sabrina Segecs, que acompanhou o caso, afirma que a jovem passou duas semanas indo e voltando do hospital.
“Todos os dias, eles (a equipe do hospital) simplesmente mandavam ela ir embora; ela estava extremamente inchada e sentia muita dor”, relatou. “No sábado (16), quando ela retornou ao hospital, já com sangramento, eles fizeram o exame de toque e viram que ela estava com 1,5 de dilatação. Mas não fizeram a toco (cardiotocografia) e mandaram ela ir embora e voltar no outro dia”.
A família esteve hoje acompanhada por uma advogada, no 3º DP do município, para registrar um boletim de ocorrência e solicitar exame necroscópico da bebê. Os parentes alegam suposta negligência por parte das equipes que atenderam a jovem. Mas a Secretaria de Saúde de São Vicente diz ter seguido todos os protocolos necessários ao atendimento.
A doença
A toxoplasmose é uma infecção causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, encontrado nas fezes de gatos e outros felinos, que pode se hospedar em humanos e outros animais. Ele entra em contato com o organismo após ingestão de água ou alimentos contaminados e é uma das zoonoses – doenças transmitidas por animais – mais comuns em todo o mundo.
A maioria das pessoas não apresenta sintomas e não precisa de tratamentos específicos. Mas, em alguns casos, a doença pode trazer complicações, como sequelas pela infecção congênita (gestantes para os filhos), ou infecções que afetem os olhos e até o cérebro, em pessoas com o sistema imunológico enfraquecido.
No caso de MIlena Cardoso, a doença não provocou sintomas. Ela soube estar infectada após realizar exame de sangue de rotina durante o pré-natal, no 5º mês da gestação. Na opinião dos familiares, a equipe da rede municipal de saúde deveria ter solicitado a repetição do exame, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento da doença, mas isso não ocorreu.
“Quando fizeram o exame (cardiotocografia), eles viram que a bebê estava com os batimentos fracos, e, mesmo assim, não a levaram para fazer a cesária”, afirmou a prima. Segundo familiares, a equipe médica esperava realizar um parto normal. Mas a menina não resistiu e sua morte foi constatada horas depois.
Procurada pelo UOL, a Sesau (Secretaria de Saúde de São Vicente) se limitou a informar sobre o atendimento realizado a partir do domingo. Segundo o órgão, Milena deu entrada na Maternidade Municipal, por volta do meio-dia e não apresentava sangramento ou perda de líquido.
“Foram realizados cardiotocografia e exame ginecológico, constatando que a paciente não estava em trabalho de parto, mas com taquicardia fetal”, afirmou, em nota oficial. “A paciente e sua mãe foram informadas sobre o quadro obstétrico e a gestante foi internada para realização de cesárea”.
A secretaria alega que a constatação de falta de batimentos cardíacos foi feita logo após a entrada no centro obstétrico. “Uma ultrassonografia confirmou o óbito fetal e derrame pericárdico. Milena passou por uma cesárea e segue internada na Maternidade Municipal, acompanhada de familiar”, concluiu.
A Sesau foi questionada, mas não se pronunciou sobre a alegação de negligência e falta de atendimento ao longo dos dias em que a jovem teria buscado atendimento e sido mandada voltar para casa. O espaço segue aberto para atualização tão logo esclarecimentos sejam prestados.
Perigo
Segundo a ginecologista e obstetra Naira Scartezinni Senna, a toxoplasmose na gravidez exige um acompanhamento de pré-natal de alto risco, além de um acompanhamento multidisciplinar, pois essa é uma doença que deve ser tratada por um infectologista. “Por isso, é aconselhável que a grávida seja acompanhada também por um infectologista”.
Entre os riscos de uma gestante com toxoplasmose, está a transmissão vertical para o bebê. Ou seja, a transmissão da mãe para a criança, ainda no útero.
“O bebê que contrai a doença pode apresentar alterações cerebrais e visuais que são muito impactantes no desenvolvimento dele”, explica a médica.
A Sesau informou que a gestante iniciou o pré-natal com seis semanas de gestação, e realizou, ao todo, 14 consultas. O primeiro exame foi coletado logo na abertura do pré-natal, em janeiro, e confirmou a toxoplasmose.
“A gestante foi encaminhada para triagem de pré-natal de alto risco. Após avaliação, seguindo protocolo do Ministério da Saúde, por apresentar avidez alta, em sorologia colhida antes de 16 semanas, não havia indicação de tratamento ou encaminhamento para pré-natal de alto risco, visto que a infecção foi adquirida antes da gestação. Em 27 de julho, a gestante repetiu os exames, mantendo o resultado de toxoplasmose”, informou o órgão.