Desde que o movimento de lésbicas feministas teve início no Brasil, em fevereiro de 1979, elas denunciavam o apagamento das suas existências, as violências e discriminações sofridas, além da completa ausência de políticas públicas e legislações que as atendessem. No decorrer do tempo, e com o expressivo crescimento de grupos e de redes nacionais de lésbicas, aos poucos, alguns avanços foram alcançados, sobretudo na área da saúde. É o que diz um trecho do artigo ‘Saúde das mulheres lésbicas e atenção à saúde: nem integralidade, nem equidade diante das invisibilidades’.
Na data que marca o Dia do Orgulho Lésbico, quinta-feira (19), a saúde sexual dessas mulheres é o tema principal, pensado não como forma de sexualização dos corpos lésbicos, mas para apontar a falta de atenção para a saúde íntima desse grupo em específico. Segundo dados do relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, do Ministério da Saúde, apenas 47% das lésbicas e bissexuais participam de consultas ginecológicas anualmente, enquanto o número sobe para 76% entre mulheres hétero, segundo Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Para a ginecologista e obstetra Naira Scaterzzini Senna, o primeiro passo que um profissional pode adotar ao atender pacientes lésbicas é conduzir a sexualidade dessa mulher de maneira natural. “Não impor padrões ou julgamentos traz leveza e naturalidade para a consulta e qualquer exame que seja necessário. Ser empática às necessidades e restrições da paciente também é importante. Caso haja a necessidade de exames mais desconfortáveis, acredito que explicando com clareza o procedimento e a necessidade que se impõe a ele, a própria paciente irá compreender e decidir conjuntamente”, pondera a ginecologista.
Desafios das mulheres lésbicas no acesso à saúde
Para a líder de Diversidade e Inclusão da Oracle e especialista no assunto, Dani Botaro, encontrar profissionais qualificados, é a parte mais difícil no acesso à saúde íntima. Por fazer parte do grupo, Dani salienta que essas mulheres ainda têm dificuldade em saber métodos de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), e que isso seria agravado pela ideia disseminada de que as relações entre lésbicas não são consideradas sexuais.
“Tudo isso é parte de uma série de mitos que fazem com que as próprias mulheres lésbicas não busquem frequentemente o atendimento médico ou métodos de prevenção quando se tem mais parceiras sexuais”, avalia.
Nesse sentido, a ginecologista Naira afirma que ainda falta naturalidade na condução do tema. “É sobre entender as necessidades das mulheres lésbicas e falar abertamente sem julgamentos. Sugerir as vacinas possíveis preventivas (como HPV, Hepatite B), solicitar exames periódicos e orientar sobre cuidados gerais, atenção ao próprio corpo e aos sinais de problemas”, recomenda.
A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo esclareceu que disponibiliza informações sobre prevenção às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) através do aconselhamento singular, de acordo com a identidade de gênero e práticas sexuais de cada mulher, tanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) quanto nos 26 serviços da Rede Municipal Especializada (RME).
Atendimento humanizado
“Quando a gente fala sobre saúde pública, eu nunca vi uma campanha de conscientização para a saúde sexuais das mulheres lésbicas ou métodos de prevenção de doenças. Mesmo na rede particular, poucos profissionais estão preparados para lidar com a saúde íntima dessas mulheres”, pondera Dani Botaro.
Naira Senna, no entanto, apresenta como solução a ideia de que o grupo busque atendimento com profissionais femininas, a fim de evitar constrangimentos durante as consultas. “Na ginecologia costumo defender a bandeira de que mulheres devem atender outras mulheres. Um homem pode ser impecável tecnicamente, mas nunca terá a real dimensão dos tabus que nos circundam. Acredito que mulheres podem ser mais empáticas na ginecologia”, avalia.
Dani Botaro aponta que o acolhimento, a forma em que o profissional lida com a sexualidade dessas mulheres e até mesmo a abordagem durante entrevistas devem ser pensadas de forma não-constrangedora. “Entender que tudo isso está conetado com a saúde da mulher lésbica é importante”, ressalta.
A ginecologista Naíra pondera ainda que o constrangimento pode residir na forma como se questiona ou reage a determinada informação. A médica recomenda, em caso de violência ou discriminação, que a paciente faça uma denúncia contra o profissional e pesquise outro médico para se consultar.
“Todas podem se sentir constrangidas mediante algum comentário ou abordagem. Mais importante do que reportar ao CRM ou CFM é procurar um profissional que a acolha, esclareça suas dúvidas e cuide da sua saúde com o zelo e esmero que você merece”, finaliza.
Como se prevenir sem tabus
De acordo com o artigo ‘Guia do Sexo Lésbico’, a prevenção começa com os exames periódicos e idas ao ginecologista. Outras dicas podem ser facilmente adotadas, como evitar o contato com sangue menstrual e lesões genitais visíveis, a fim de evitar a transmissão de ISTs.
Durante a penetração com dedos ou brinquedos, os famosos ‘sex toys’, é recomendado sempre lavar as mãos antes das relações e ter as unhas cortadas e limpas. O brinquedo deve ser usado com camisinha e não alterar entre vulvas e ânus sem antes trocar o preservativo. Para o dedo, é possível usar luvas. Atualmente, existem no mercado capas para dedo feitas de látex.
O ‘sex toy’, após e antes do uso, deve ser lavado com água e sabão. Quando compartilhado entre mais de uma pessoa, deve-se fervê-lo ou esterilizá-lo, principalmente os de uso anal. Lubrificantes à base de água também são uma boa pedida, pois não alteram o pH vaginal. Para o sexo oral, ainda não há opções no mercado adequadas para a prática.
As prevenções citadas no guia servem tanto para mulheres lésbicas cisgênero, quanto para relações entre uma mulher e um homem trans, ou vice versa.