Grávida de nove meses e com covid-19, uma moradora de Santos, litoral sul de São Paulo, diz ter feito uma peregrinação por hospitais do município até conseguir ser internada, já com 50% dos pulmões comprometidos.,
Apesar do avançado estágio da gravidez, a assistente de locação Sarah Chaves, 36, relatou que em ao menos três hospitais não recebeu atendimento especializado em ginecologia e foi orientada a permanecer em casa. O caso aconteceu entre março e abril, quando o país registrava um pico de casos da doença, o que sobrecarregou a rede de saúde.
No final de março, o marido de Sarah, Robson Amaral, precisou voltar ao trabalho presencial e apresentou sintomas de covid. Ambos testaram positivo para covid-19. “Eu gelei quando vi o resultado. Eu estava de 37 semanas. Avisei a médica que estava acompanhando o meu pré-natal. Mas ela não quis me atender, mandou a secretária dizer que eu procurasse um hospital.”
O primeiro hospital procurado foi a Casa de Saúde de Santos. Sarah diz que nem chegou a entrar — foi recebida na porta, numa mesinha improvisada, por uma atendente. A maternidade do hospital era o local onde planejava realizar o parto. Mas não conseguiu ser atendida por um especialista ou realizar algum exame. Mediram sua saturação e a mandaram para casa.
O casal então se dirigiu, no mesmo dia, ao Hospital Santo Expedito. O marido conseguiu atendimento, foi medicado e dispensado. Ela fez apenas um novo teste de covid-19 para confirmar o diagnóstico. Segundo as atendentes, a unidade não receberia mulheres grávidas.
A terceira opção foi o Hospital São Lucas. Foi atendida por uma médica em clínica geral, medicada e mandada para casa. Após sete dias, quando a caixa de antibióticos acabou, Sarah só piorava. Retornou à unidade e implorou para fazer um ultrassom. Foi quando descobriu que o volume de líquido amniótico estava abaixo do normal. Mesmo assim, foi dispensada.
Pulmão comprometido
A última opção da lista foi o Hospital Ana Costa, onde Sarah conseguiu realizar uma tomografia. Constatou que estava com 50% dos pulmões comprometidos. Foi medicada e novamente aconselhada a voltar para casa.
No dia seguinte, quando já não podia mais respirar direito, retornou ao hospital e foi encaminhada para um ambulatório, onde permaneceu por 12 horas numa cadeira, recebendo medicação, enquanto o marido tentava localizar alguém da direção.
“Somente depois de muita insistência fui levada a um quarto, na ala de pediatria. Eles tinham medo de me levar para a maternidade, porque eu poderia contaminar alguma mãe. No dia seguinte, duas plantonistas me disseram que iriam induzir o parto, que seria a solução. Eu não deixei. Assinei um termo. Eu tinha certeza que se elas tentassem induzir o parto natural eu teria morrido e o meu bebê também.”
As plantonistas procuraram então a diretora do setor de ginecologia do hospital. Ao analisar as condições de Sarah, a diretora concordou em aguardar o final da quarentena, poucos dias depois, quando não houvesse mais risco para ela e o bebê, para a realização de uma cesárea.
Após 12 dias de internação, Sarah deu à luz Isaac, que nasceu com 47 cm e 2,8 kg. Segundo a médica que a atendeu, a covid-19 dificulta a alimentação intrauterina e, por isso, seu tamanho e peso estavam abaixo do normal. A criança completou no sábado (10) três meses de vida. Está saudável, não foi contaminado pela covid-19, cresceu e recuperou o peso.
Quando teve início sua busca por atendimento nos hospitais, Sarah já estava sintomática. Tinha febre, dores no corpo, cansaço, calafrios e coriza. Os sintomas foram se agravando com o passar dos dias.
“A covid-19 é uma doença que pode gerar insuficiência respiratória e baixa oxigenação e isso traz um comprometimento de saúde tanto para a mãe quanto para o feto”, explica a ginecologista e obstetra Naira Scartezinni Senna. “Numa situação em que o líquido amniótico da gestante está abaixo do esperado, pode trazer complicações para o feto.”
A médica afirma que os critérios para avaliação da necessidade de internação de uma gestante com a doença são os mesmos aplicados para um adulto. A internação pode ser necessária caso a paciente esteja sintomática (falta de ar, febre alta).
“A internação também pode ser necessária para investigação da gravidade do oligoâmnio [baixo volume do líquido amniótico]. O que causou esse efeito? Algum problema de saúde? Complicações da doença clínica da covid-19? A internação dependerá da idade gestacional da paciente, e do seu quadro clínico.”
O que dizem os hospitais
Procurada pelo UOL, a Casa de Saúde de Santos afirmou que março foi o período mais crítico da pandemia e, por conta disso, todas as unidades do hospital estavam com lotação máxima de leitos, impedindo a realização de internações.
“À época, avisos chegaram a ser colocados nas portas das unidades, informando sobre a gravidade da situação. Em alguns casos, os pacientes que eram atendidos pela triagem assinavam termos dando ciência de que, mesmo que fossem atendidos em consulta, não poderiam ser internados por causa da falta de leitos.”
Em nota, o hospital Ana Costa informou que Sarah esteve internada entre 2 a 12 de abril. “Na ocasião, a paciente recebeu tratamento baseado nos protocolos clínicos mais indicados para o seu quadro de saúde, garantindo sua segurança e recuperação. A instituição reforça que segue integralmente mobilizada para fazer frente à pandemia da COVID-19.”
Por nota, a diretoria clínica do Hospital Santo Expedito informou que não fornece informações de pacientes.
A diretoria do Hospital São Lucas informou, por e-mail, que o caso está sendo analisado junto às coordenações de Ginecologia e Obstetrícia e Clínica Médica do hospital.