Dra. Naira Scartezzini Senna em entrevista concedida a Revista Crescer
Enjoo, ansiedade e o peso da barriga podem atrapalhar o descanso das grávidas. Veja como aliviar o desconforto e dormir a noite inteira
Tudo começa com aquele cansaço do primeiro trimestre, que faz com que você morra de vontade de tirar uma soneca até no meio do expediente do trabalho. O motivo? A elevação dos níveis de progesterona, que causa sonolência. Mas eis que, certo dia, ao cair na cama, esse relaxamento é interrompido por enjoos e ansiedade. Ou, então, com o passar das semanas, a barriga começa a diminuir as possibilidades de posições para dormir e a vontade de ir ao banheiro toda hora atrapalha. E, claro, quanto mais a gestação avança, é normal sentir calafrios ao pensar no parto, que chega a dar pesadelos.
Com tantas emoções e sensações, mesmo cansada, você intercala assistir a cenas de um filme qualquer, checar as redes sociais e observar quantas luzes estão acesas nas janelas próximas à sua. Quem tem insônia sabe disso. Mas na gravidez é normal? Sim! “Estima-se que aproximadamente 80% das gestantes têm algum distúrbio do sono, entre eles interrupção do mesmo no período noturno, queda no tempo de descanso, perda da qualidade, eventos de sonambulismo e apneia”, afirma a ginecologista e obstetra Priscila Cury, da Pro Matre Paulista (SP).
Por conta disso, talvez você tenha que contar até dez ao ouvir “aproveita para dormir agora, porque depois já era”. Considere a boa intenção por trás do conselho. Dormir bem, afinal, é essencial: fortalece o sistema imunológico, consolida a memória e restabelece o bem-estar físico e mental. “No caso das gestantes, é mais importante ainda, pois dá energia para as atividades do dia seguinte e evita o trabalho de parto prematuro, uma vez que diminui a ansiedade e a liberação de adrenalina”, diz o ginecologista e obstetra João Bosco Mezziara, da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo. Foi o que mostrou um estudo da Universidade da Califórnia (EUA). Segundo a pesquisa, mulheres diagnosticadas com insônia ou apneia do sono têm duas vezes mais chances de dar à luz até seis semanas antes.
Por isso, o especialista diz que, para uma noite revigorante, você precisa de oito horas de descanso – ainda que que no último trimestre fique mais difícil mesmo. A seguir, veja como contornar os principais obstáculos e… boa noite!
Enjoo e azia
Muitas vezes é por sentir um mal-estar constante que você desconfia que está grávida. Cerca de 60% das mulheres sofrem com os enjoos, em especial no primeiro trimestre. Eles acontecem por culpa do aumento dos hormônios, como o HCG. Já a azia ocorre por causa do refluxo gástrico – provocado pelos hormônios de novo! –, que aumenta à medida que o útero cresce e pressiona o estômago.
Esses dois sintomas são capazes de tirar o sono de qualquer um. A dona de casa Cintia Santos, 30 anos, mãe de Luiz Paulo, 7, Rafael, 4, e Eduardo, 2, sofreu com eles em todas as gestações – e teve muita insônia por causa disso. Tanto que passou a noite anterior ao nascimento do caçula sentada na sala, pois era o único jeito que conseguia ao menos dar uns cochilos. “Qualquer coisa que comia me dava azia, não conseguia dormir e vomitava demais, durante os nove meses. Como piorava ao deitar, tive de me acostumar a dormir sentada”, lembra.
A azia, de fato, se acentua quando deitamos porque o útero comprime o estômago e o conteúdo líquido reflui, indo para o esôfago. “Nessa posição, por não contar com a ação da gravidade para conduzir os alimentos, pode aumentar o mal-estar da gestante”, explica a ginecologista e obstetra Naira Scartezzini Senna, do Hospital e Maternidade São Luiz, de São Caetano (SP).
O que fazer? – Para aliviar esse tipo de incômodo e ter uma boa noite de sono, as dicas são: comer porções menores, de três em três horas; não beber líquidos durante as refeições, assim como bebidas quentes ou com gás; consumir carboidratos leves, como torradas ou batatas, que são de fácil digestão; evitar limpar o quarto ou lavar os lençóis com produtos de limpeza com cheiros fortes; não deitar logo após as refeições; e, caso a náusea piore quando você escova os dentes, experimente trocar a marca do creme dental.
Ansiedade
Mesmo que você não seja uma mulher ansiosa, basta receber o resultado positivo do teste de gravidez para se tornar uma. São inúmeras dúvidas e inseguranças e é normal ficar com olhos de coruja durante a noite por conta disso. A publicitária Renata Kachensky, 36 anos, mãe de Théo, 3 anos, e Breno, 8 meses, lembra que passou por isso nas duas gestações, mas na primeira foi mais difícil. “Era tudo novidade, eu virava madrugadas acordada, de tanto que a cabeça funcionava”, conta. Além dos receios comuns a todas as mães, como o parto e as novas responsabilidades que nascem com o bebê, ela também tinha outro agravante: apesar de morar em São Paulo, queria ter o primogênito em Curitiba, perto da família.
O que fazer? – Não existe fórmula mágica. Mas, para manter a calma, vale recorrer a qualquer artimanha que deixe você mais tranquila, seja um chá, uma música relaxante ou ler um livro antes de dormir. A ginecologista e obstetra Priscila recomenda a chamada higiene do sono, isto é, preparar o quarto reduzindo o barulho e a luminosidade, além de evitar o uso de tablets, celulares e televisores uma hora antes de deitar. Mas, se nada disso adiantar, tente técnicas alternativas de relaxamento, como musicoterapia, massagens, ioga, acupuntura… Faça um esforço para manter o otimismo! Os receios de Renata, por exemplo, não se confirmaram: deu tudo certo no final.
Sem posição
Quando a barriga começa a crescer, fica cada vez mais difícil encontrar uma posição confortável para dormir. Se você é daquelas que passava a noite inteira de bruços, então, provavelmente vai sentir um pouco mais de dificuldade para relaxar. A empresária Kel Alves, 36 anos, mãe de Julia, 5 anos, e Livia, 2, lembra bem disso. “Aguentava quase tudo na gravidez, mas o fato de não conseguir dormir de barriga para baixo me irritava muito. Olhava para o lado e, além de não descansar, tinha que ver meu marido roncando e dormindo bem gostoso, e de bruços!”, brinca a mãe.
O que fazer? – Você terá de se acostumar a não dormir de barriga para baixo durante os nove meses, infelizmente… De acordo com os especialistas, o mais indicado é deitar-se de lado, virada para a esquerda. “Isso porque do lado direito do útero passam os dois maiores vasos sanguíneos do organismo, a veia cava e a artéria aorta. Ao comprimir a região, compromete-se o fluxo sanguíneo”, alerta o obstetra João Mezziara.
Se não tem como ficar do seu jeito preferido, principalmente no último trimestre da gestação, dá para aliviar o desconforto com travesseiros. Espalhe-os pela cama, colocando-os entre os joelhos, abaixo da barriga e/ou nas costas. Há no mercado, aliás, vários modelos especiais para gestantes. Ah, sim, o espaço para o seu companheiro vai ficar menor, mas ele vai entender.
Xixi a toda hora
Grávida quando vai ao cinema, teatro ou a um jantar, já costuma se sentar o mais próximo possível do banheiro ou no canto da fila para não incomodar, pois sabe que a chance de ir várias vezes no intervalo de algumas horas é grande. O xixi constante é provocado pela soma do aumento de líquido no corpo e do trabalho mais eficiente dos rins, que são obrigados a funcionar mais nessa fase – até a 28a semana, o volume de sangue no corpo feminino aumenta em mais de 50%. Conforme a barriga cresce, o útero também começa a apertar tudo lá dentro, incluindo a bexiga, o que aumenta ainda mais a frequência das idas ao banheiro. A empresária Pollyane Carvalho, 30 anos, mãe de Ana Julia, 7, e Bernardo, 2 anos e meio, passou por isso nas gestações. “Eu deitava para assistir a TV antes de dormir e, até pegar no sono, chegava a ir umas oito vezes ao banheiro”, lembra.
O que fazer? – Um das dicas aqui é diminuir a ingestão de líquidos próximo à hora de dormir, especialmente bebidas com cafeína – que, além de terem efeito diurético, devem ser consumidas com moderação porque são estimulantes. Outra saída é, ao fazer xixi, abaixar o corpo em direção à barriga, o que faz com que a bexiga se esvazie ao máximo (OK, fica mais difícil com o tempo). Quando for ao banheiro de madrugada, evite acender luzes fortes para não despertar totalmente.
No caso de Pollyane, a redução do consumo de líquidos à noite não adiantou tanto assim. Se acontecer o mesmo com você, veja pelo lado bom: ao menos já está “treinando” para acordar de noite quando o bebê chegar.
Medos e pesadelos
Quando aquela ansiedade que citamos anteriormente toma maiores proporções, é capaz, sim, de provocar sonhos ruins – que vão desde não conseguir o parto desejado até mesmo a morte do bebê. Experiências de gestações anteriores também podem provocar pesadelos, como aconteceu com a cantora Rachel Autran, 37 anos, mãe de Davi, 7, Vitor, 4, e Pedro, 10 meses. Na gravidez do terceiro filho, ela perdia o sono ao lembrar dos partos que havia vivido. “Já tinha feito dois partos normais e lembrar da dor (apesar de saber que ela passa!) me fazia ter medo e, por consequência, insônia. Quando dormia, era assombrada por pesadelos”, conta a mãe.
O que fazer? – Para se acalmar, Rachel tomava um banho relaxante antes de dormir, além de chá de camomila ou hortelã. Funcionava para ela. Por isso, o recado aqui é buscar uma alternativa que ajude você a relaxar. Estar bem informada, seja sobre o parto, a amamentação ou os cuidados com o bebê, também traz mais tranquilidade. “Um ambiente familiar acolhedor, com o parceiro conectado à gestante, vai aumentar a segurança dela e, com isso, a qualidade do sono”, afirma a obstetra Priscila Cury. Vale lembrar ainda que, por mais terrível que seja o pesadelo, ele não tem nenhum significado especial, OK? É apenas um reflexo dos medos comuns dessa fase – e vai embora eventualmente.
Bebê agitado
Parece até que ele sabe: basta você se deitar para começar o baile. Mexe para cá, mexe para lá, e assim seu sono vai embora. Quem consegue dormir com tantos “socos” e “pontapés”, afinal? Se você tem a sensação de que o seu filho se movimenta mais à noite, saiba que isso acontece porque nesse momento você está relaxada e presta mais atenção ao próprio corpo, ao contrário do que ocorre de dia. Veja só: um bebê saudável tende a se mexer pelo menos seis vezes por hora, quer você sinta ou não. Além disso, o ciclo de sono dele é completamente diferente do seu, com intervalos menores entre descanso e vigília. Ele não sabe, então, se é dia ou noite! Seria melhor se essa agitação toda fosse em outra hora, claro, mas, pensando bem, nem dá para reclamar nesse caso, não é?
A advogada Vanessa Santos, mãe de Maria Eduarda, 4 anos, e Leonardo, 3 meses, conta que demorava para pegar no sono nas gestações por conta disso. “Parecia que era de propósito. No começo, eu adorava, punha a mão na barriga e ficava sentindo os movimentos do meu filho. Mas depois, tudo o que eu queria era que ele parasse um pouco para eu descansar”, recorda. Alguém se identifica?
O que fazer? – Alguns bebês são mais agitados, enquanto outros, mais tranquilos desde a barriga. Se o seu faz parte do segundo grupo e ainda resolve dar uma festa na sua barriga justo na hora do boa noite, não há muito para onde correr. O que pode funcionar é jantar cedo, evitando se alimentar quando chega a hora de dormir, principalmente com comidas açucaradas, que dão mais energia ao pequeno. Algumas mães relatam que, dependendo da posição, o bebê pode se mexer mais ou menos. Observe isso! Outras contam que, ao conversar com o filho, fazendo um carinho na barriga, contribuem para que ele se “acalme”. Que tal tentar essas estratégias hoje à noite?
Respiração ofegante
Está aqui outro sintoma ladrão de sono na reta final da gestação. “No terceiro trimestre, por conta do aumento do volume abdominal, a mulher fica com a respiração curta, pois não consegue expandir muito o pulmão”, diz a ginecologista Helena Hachul de Campos, pesquisadora do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo. Essa sensação pode acontecer tanto ao longo do dia quanto na hora de dormir.
Como foi o caso da arquiteta Karin Nogueira, 38 anos, mãe de Julia, 6, e Luiza, 3, nas duas vezes que engravidou. “Sabe aquele movimento de puxar o ar e encher os pulmões? Eu não conseguia fazer isso, era agonizante!”, lembra.
O que fazer? — Ao se deitar, procure uma posição mais confortável, com o apoio de travesseiros para elevar a cabeça e o tronco levemente e, assim, respirar melhor. Invista também nos exercícios físicos. A prática de atividades moderadas e sem impacto, como pilates, hidroginástica e caminhada (se não houver restrições médicas, claro), melhora a capacidade pulmonar, o que favorece o autocontrole da entrada e saída de ar. Sem contar que, de modo geral, influencia de maneira positiva a circulação sanguínea, a pressão arterial e a disposição, contribuindo para o seu bem-estar, tanto de dia quanto de noite.
Quando a insônia vira rotina…
É normal não ter um sono 100% perfeito durante a gravidez. Mas alguns distúrbios, como ronco e apneia, podem ocasionar problemas maiores. Uma pesquisa realizada pela Unifesp, em parceria com a Universidade de Stanford (EUA), mostrou que eles estão associados à pressão arterial elevada, um quadro preocupante. A hipótese seria de que a obstrução das vias aéreas superiores diminuiria a oxigenação da placenta. “Isso leva a complicações para o bebê, como retardo do crescimento intrauterino, por exemplo”, explica a pesquisadora Helena Hachul. Em geral, quem pode observar se você tem algum desses sintomas ao dormir é o seu companheiro. Peça a ele para ficar atento!
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Dra. Naira Scartezzini Senna em entrevista concedida para a Revista Crescer
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