Atingir o clímax do prazer durante o sexo tem a ver com muito mais do que só o físico. O cérebro e os hormônios fazem a maior parte do trabalho. Entenda.
O sexo é algo natural – é uma estratégia de sobrevivência da espécie –, mas falar sobre orgasmo, publicamente, ainda causa certo incômodo para os não acostumados. Para começar essa conversa, é preciso entender que o orgasno vai muito além do sexo por si só, e a ciência pode ajudar a explicá-lo. Atingir o ápice do prazer só é possível com a combinação do físico e do psíquico. Pode parecer algo complexo, difícil de atingir, mas a prática é mais simples: a partir do momento em que se entende o que passa no seu corpo durante esse momento de êxtase, fica mais fácil conduzi-lo no caminho certo.
Afinal, o que acontece no cérebro quando temos um orgasmo?
O orgasmo é apenas uma das etapas da resposta sexual humana. Em resumo, nossa interação sexual está dividida da seguinte forma:
- Desejo;
- Excitação;
- Orgasmo;
- Resolução.
Como grande parte dos estudos sobre sexualidade, esse modelo clássico é baseado na resposta sexual masculina. E embora essas etapas não se restrinjam aos homens, mulheres podem apresentar uma variação nessa resposta, além de sentirem uma interferência muito maior do restante do ambiente na resposta sexual da excitação, etapa importantíssima para alcançar o orgasmo – o que ajuda a entender por que 67% das brasileiras têm dificuldades para se excitar, de acordo com um estudo Departamento de Transtornos Sexuais Dolorosos Femininos da Universidade de São Paulo (USP), realizado em 2017.
A dra. Naira Scartezzini Senna, ginecologista e obstetra, destaca a relevância desse ponto. “Se a mulher tiver uma preocupação muito grande com algo para resolver no dia, com o filho que pode acordar, com a conta para pagar, isso pode fazer com que ela desvie a atenção do foco e do momento da atividade sexual.”
Outra preocupação muito frequente que pode roubar o foco do prazer é a insegurança com o próprio corpo durante o sexo, que afeta muito mais as mulheres do que os homens. “Tem a ver com a nossa cultura machista, centrada no prazer masculino. A mulher pode sentir dúvidas sobre o seu peso, a estética geral do seu corpo, relacionadas à forma e ao odor natural da sua genitália. Isso foi construído há décadas na mente feminina, sendo quase uma resposta involuntária”, narra a ginecologista.
Onde nasce o desejo
Boa parte da “química” do orgasmo se dá no sistema nervoso central (SNC), localizado no cérebro. O destaque vai para os sistemas límbico, hipotalâmico e neocórtex, que serão os responsáveis pela explosão de sensações no corpo durante o sexo. Isso, é claro, se forem estimulados corretamente. Mas atenção: quando falamos de sexo, não existe estímulo correto, mas sim o estímulo que funciona para cada indivíduo. Ou seja, seguir uma fórmula dificilmente funciona, o importante é explorar. É o SNC que vai liberar os principais neurotransmissores ligados ao prazer sexual, como explica Gabriela Vitor, psicóloga especialista em terapia sexual.
“Quando atendo um paciente, costumo dizer que o cérebro é o nosso maior órgão sexual. E não apenas o cérebro físico, mas também a mente em si, o psicológico. Existem três neurotransmissores que se destacam na excitação sexual: ocitocina, serotonina e dopamina. A serotonina é conhecida pela sua relação com a sensação de bem-estar, já a ocitocina está muito ligada ao amor e ao prazer, enquanto a dopamina está relacionada ao relaxamento. Há, ainda, a endorfina, que atua no alívio da dor e tem função analgésica. São elas as responsáveis pelo aumento da temperatura corporal, a sensação de relaxamento após o orgasmo, etc. Quando se chega ao clímax, é liberada uma quantidade desses hormônios e aí, a reação varia de pessoa para pessoa: há quem chore de prazer e há quem tenha crise de riso. Isso é natural”, destaca.
Além dos neurotransmissores, alguns hormônios também influenciam a resposta sexual, como estrógenos, progesterona, prolactina, testosterona, entre outros.
A excitação
A excitação tem marcações físicas muito características. É nessa fase que o cérebro entende que há um estímulo acontecendo e prepara o corpo para reagir a isso. Temos, então, a vasocongestão – um acúmulo do sangue na região genital –, responsável pela ereção do pênis e do clitóris, e da lubrificação da vagina. Junto, iniciam-se as contrações musculares localizadas, que fazem parte da excitação. Elas são chamadas de miotomia e podem ser percebidas na região genital e extragenital.
As preliminares costumam fazer parte dessa etapa, mas estimular o parceiro ou parceiro não precisa se resumir ao toque físico. É possível explorar os sentidos olfativos, gustativos, visuais e muito mais.
Além disso, pessoas que sofreram algum trauma na região genital ainda podem alcançar o orgasmo. Isso porque o cérebro pode remapear-se e redirecionar o estímulo para outras regiões do corpo, além de intensificar outros estímulos.
“Em pessoas que tiveram o órgão genital removido ou ferido, o cérebro pode criar novos caminhos para o prazer que não envolvam os órgãos sexuais. Ele pode remapear os sentidos para que a pessoa possa experimentar sensações orgásmicas em outras partes do corpo, por exemplo, através da estimulação da pele do braço ou mamilos”, destaca Adriana.
Orgasmo
Desejo correspondido, excitação estimulada, é a hora dele: o orgasmo. Fisicamente falando, o orgasmo é o momento em que tanto o processo de vasocongestão quanto da miotonia atingem seu ápice. “Elas são claramente percebidas, acompanhadas de uma intensa sensação de prazer. Em seguida vem o relaxamento, que é a resolução”, resume a ginecologista.
Nessa hora, o cérebro libera todos aqueles neurotransmissores e hormônios que falamos acima em maior quantidade. Com essa onda química, há a sensação extrema de bem-estar, o orgasmo. A psicóloga Adriana Severine, especialista em terapia cognitivo-comportamental e sexóloga, dá mais detalhes do que acontece no cérebro, nossa central de comando, durante o orgasmo.
“Através de pesquisas descobriu-se que o córtex sensitivo genital, as áreas motoras, o hipotálamo e o tálamo se ativam durante o orgasmo. Enquanto o tálamo ajuda a integrar informações sobre o toque e movimentos associados, o hipotálamo produz a ocitocina, que pode ajudar a coordenar o cérebro a liberar uma onda de dopamina. Não é à toa que ter um orgasmo estimula o cérebro da mesma forma que usar drogas ou ouvir a sua música favorita.”
Sexo prazeroso nem sempre é sinônimo de orgasmo
Com a combinação entre uma cultura ainda pouco aberta para discutir abertamente sobre sexo de maneira saudável, uma educação sexual precária e os traços machistas que por anos insinuaram que o prazer pertence a apenas um gênero, não é de se espantar que o imaginário popular esteja recheado de equívocos relacionados à prática e ao comportamento sexual.
Um deles é a ideia de que uma experiência sexual só é positiva e prazerosa quando se atinge o orgasmo. Gozar é bom, mas não é tudo. É possível ser feliz durante todo o caminho até o auge do prazer. É o que explica a sexóloga.
“O ato sexual também é uma expressão de quem nós somos e de como nos permitimos ter prazer na vida. Ou seja, um ato sexual pode ser excitante e prazeroso e não necessariamente ter o orgasmo. Quando a pessoa compreende que o ato sexual vai além do orgasmo, ela também vai compreender os benefícios do sexo.”
E quais são os benefícios?
Se o sexo ativa diferentes mecanismos do nosso organismo, seus benefícios seguem pelo mesmo caminho. Os benefícios de uma vida sexual saudável vão desde o humor melhorado até a proteção do sistema imunológico.
“A serotonina pode ajudar a regular o humor e o apetite. Já a ocitocina traz relaxamento e a sensação de segurança, o que ajuda a diminuir a ansiedade. A endorfina, por sua vez, pode ajudar no alívio de dores em geral com sua ação analgésica. Além disso, o sexo é extremamente importante para a imaginação, porque ele trabalha a forma como a gente se relaciona com a nossa própria fantasia e mundo interior, como nos comunicamos com as pessoas, etc.”, diz Gabriela.
Há também benefícios físicos. “O assoalho pélvico, por exemplo, se contrai junto aos músculos, o que gera um gasto energético semelhante à prática de exercícios e estimula o sono reparador.”
Sexo e menstruação
Apesar de ainda ser considerado polêmico por algumas pessoas, o sexo durante a menstruação não é contraindicado. A prática é benéfica quando realizada com segurança, já que o contato com o sangue pode facilitar a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST) – é possível contornar isso com o uso da camisinha ou do disco menstrual, tipo de coletor desenvolvido justamente para a prática sexual.
Durante a menstruação, a sensibilidade genital aumenta, o que facilita a chegada ao orgasmo. E não para por aí, como enfatiza a obstetriz e especialista em saúde íntima Mariana Betioli. “Outro benefício é o alívio das cólicas menstruais. A cólica acontece quando o útero se contrai para expelir o sangue menstrual e, curiosamente, durante o orgasmo ele também se contrai antes de relaxar. O que melhora a dor é o efeito relaxante e analgésico do orgasmo somado ao aumento de fluxo sanguíneo na região pélvica e a liberação de hormônios de prazer.
Dor e prazer
As áreas responsáveis por enviar sinais de dor e de prazer ao resto do corpo ficam bem próximas no cérebro. Por isso, é comum que algumas pessoas sintam prazer em práticas como puxões de cabelo e tapas durante o sexo, o que não as torna aceitáveis fora desse contexto.
Agora, se a dor é uma constante no sexo, de forma que dificulta ou impede o prazer – ou até mesmo a prática sexual em si –, o ideal é procurar um especialista e investigar. As causas das disfunções sexuais, tanto em homens quanto em mulheres, podem estar associadas a diversas motivações biológicas ou psicológicas. A boa notícia é que, com o acompanhamento profissional correto, é possível desenvolver uma vida sexual satisfatória.