No dicionário de Língua Portuguesa, é possível encontrar respostas que definem o seu sentido como aquilo que transmite respeito, autoridade ou honra.
A palavra também aparece em conceitos adotados pela democracia e na criação de direitos, como no caso do Princípio da Dignidade Humana. A busca por condições dignas envolve direitos fundamentais como o acesso à educação, saúde e moradia.
O conceito de dignidade menstrual ganhou repercussão nas redes sociais especialmente após o veto anunciado em 2021, pelo então presidente Jair Bolsonaro, que impedia o projeto aprovado pela Câmara que previa a distribuição de absorventes para públicos como estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua.
Segundo o relatório sobre Pobreza Menstrual no Brasil, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), cerca de 713 mil meninas não possuem acesso a banheiro ou chuveiro em seus domicílios. Além disso, aproximadamente 38,1% das meninas não estudam em escolas com condições básicas como sabão e papel higiênico.
A dignidade menstrual pressupõe a garantia do acesso às condições de produtos e higiene adequados, mas a importância da discussão sobre o tema também envolve questões relacionadas à educação e desigualdades regionais observadas.
Entre os principais públicos afetados pela ausência de condições dignas para o período menstrual estão estudantes de baixa renda, pessoas em situação de rua, presidiárias e adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
Realidades diferentes
Em geral, o período de sangramento menstrual varia entre quatro a oito dias. Já o custo de um pacote com oito unidades pode ser comprado por preços que vão de R$3 a R$10 reais. Especialistas costumam recomendar a troca do absorvente em um intervalo aproximado de quatro horas.
“O tema da saúde menstrual envolve não só a questão de saúde, como higiene e prevenção de doenças e infecções, mas também a questão social”, destaca a ginecologista Nara Senna.
A ginecologista cita o caso de adolescentes que possuem a trajetória escolar comprometida por verem no ciclo menstrual um impedimento para a frequência nas aulas. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, IBGE), quase 90% das meninas passarão entre 3 a 7 anos da vida escolar menstruando.
Em pesquisa divulgada em 2019 pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), aproximadamente 4 milhões de mulheres nunca haviam procurado atendimento profissional.
“Sugerimos que sempre após a primeira menstruação seja procurada assistência médica e orientação ginecológica. Para que se entenda o que é a menstruação, qual a periodicidade esperada e de qual forma ela deve usar os métodos absortivos. Saber quais são os melhores para ela e como manter a higiene nesse período” explica.
Impactos na saúde
Apesar do surgimento de mais opções de itens para higiene menstrual nas prateleiras de mercados e farmácias, como coletores e absorventes internos, o acesso a eles não faz parte da realidade da totalidade das pessoas que menstruam.
Na tentativa de simular alternativas, muitas pessoas em estado de vulnerabilidade social precisam utilizar panos velhos, meias, pedaços de papel higiênico e outros itens improvisados.
“Essas mulheres são expostas a riscos de contaminação e infecções, e essa infecção pode ficar não apenas na região genital, podendo seguir para corrente sanguínea e causar infecções graves e severas”, pontua a ginecologista Paola Moura.
Entre os principais efeitos, estão os riscos ao desenvolvimento de alergias, infecções vaginais, pélvica, candidíase e síndrome do choque tóxico.
A saúde mental também pode ser vista como um tópico importante para a discussão. Em enquete realizada pela UNICEF, cerca de 73% das participantes responderam já ter se sentido constrangidas apenas pelo fato de estarem menstruadas.
“A menstruação afeta todos os meses as meninas, tenho pacientes que não querem ir para a escola fazer educação física simplesmente porque têm vergonha. Ainda vemos piadinhas, e mulheres com vergonha de uma condição que é dela e fisiológica”, complementa a ginecologista.
Para a também especialista em ginecologia, Dra. Naira Senna, a educação menstrual persiste como um tabu. “Como tantos outros temas que permeiam o universo feminino, quando falamos de menstruação e ciclo menstrual, além do entendimento desses temas, eles são cobertos de tabus, vergonhas, preconceitos e falta de conhecimento, que vão ciclicamente passando de geração para geração”, explica.
Pobreza Menstrual
Em março de 2022, o Congresso Nacional derrubou o veto realizado pelo então presidente Jair Bolsonaro à distribuição de absorventes. Como resultado, a distribuição voltou a ser incorporada à lei de criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/21).
De acordo com o relatório divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 2022, na região centro-oeste haviam sido apresentadas 14 proposições legislativas que definiam prioridades referentes à saúde menstrual.
Entre os três estados e Distrito Federal que compõem a região, a publicação considera o estado de Goiás como tendo maior êxito na efetividade das medidas apresentadas. O Programa Goiano de Dignidade Menstrual resultou em contratos destinados à aquisição de absorventes higiênicos e de material para higiene pessoal de alunas da Rede Pública Estadual de Educação.
Projetos solidários
Grande parte das discussões presentes no país referentes à temática da dignidade menstrual acontece em razão do engajamento de projetos sociais, ONGs e iniciativas que promovem debates relacionados à igualdade de gênero e assistência às camadas mais vulneráveis da população.
Segundo a coordenadora do Projeto Sobre Nós, Vitória Cabreira, o debate sobre o tema da dignidade e pobreza menstruais é o primeiro passo para mudanças significativas.
“Nós entendemos que a pobreza menstrual, principalmente, não é só a falta de absorvente, mas também a falta de informação. Nós já chegamos em uma comunidade e ouvimos de uma menina que tinha menstruado, mas que não sabia usar o absorvente. Depois, nos contou que nem usava calcinha”, destaca a coordenadora do projeto com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
O Sobre Nós atua com a arrecadação voluntária de absorventes e de materiais de higiene, como sabonete, pasta de dente e papel higiênico. Para a organização, a equipe conta com uma base de cadastros de pessoas assistidas. Todos os meses, são entregues dois pacotes com 8 unidades para cada pessoa.
O acesso a absorvente e a condições básicas de higiene representam um tópico de saúde pública, e a invisibilidade dos problemas enfrentados por pessoas que menstruam é um dos resultados da dificuldade em abordagens sobre a saúde íntima.
“O absorvente é um item tão importante quanto os preservativos distribuídos nos postos de saúde. É um debate que exige seriedade porque ter um absorvente pode emancipar uma mulher. Algumas não conseguem sair para trabalhar, para procurar emprego ou estudar. Estamos falando de garantir autonomia, essa é a palavra”, afirma Vitória Cabreira.
Acesse a máteria na íntegra: Você sabe o que é dignidade menstrual? (sagresonline.com.br)